CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL

Em Direito Processual Penal, quando o tema é “Inquérito Policial”, questão de suma relevância esquenta os debates: há possibilidade de se reconhecer a incidência dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa na fase do inquérito policial? Embora a doutrina majoritária (formada pelos processualistas mais conservadores) perfile o entendimento de que não há tal incidência, a processualística moderna, com enfoque em um modelo constitucional de processo penal garantista, entende que sobrevêm tais princípios e que estes se aplicam sim, sobretudo devido à força normativa da Constituição.

É pacífico o entendimento de que há, no Direito Processual Penal Brasileiro, dois tipos básicos de sistemas processuais: o inquisitório e o acusatório, havendo ainda a possibilidade de um sistema misto, com características conjugadas dos dois anteriores. Sinteticamente, poderíamos dizer que o sistema inquisitório é marcado pela concentração de poderes nas mãos de uma única autoridade, responsável por investigar, processar e julgar. De outro lado, no sistema acusatório, mais compatível com nossa ordem constitucional, as funções de investigação, defesa, acusação e julgamento são repartidas entre órgãos diferentes, o que permite um melhor controle de suas ações.

Diante disso, há que se buscar definir o inquérito policial e descobrir suas características e natureza para, então, verificar sua compatibilidade com os sistemas inquisitório ou acusatório, bem como perquirir se há possibilidade ou não de incidência dos princípios supracitados. O Procurador Federal e professor da UNB, Paulo de Souza Queiroz, traz interessante definição do inquérito policial, in verbis:

O inquérito policial é um procedimento administrativo investigativo destinado a apurar a materialidade e a autoria de crimes graves, a legitimar a decretação de medidas cautelares pessoais e reais e a possibilitar o exercício da ação penal. Em suma, é um procedimento preparatório da ação penal (QUEIROZ, 2017).

De tal definição, que coaduna com o entendimento majoritário de nossos juristas, é possível inferir que o inquérito policial é um procedimento administrativo, investigativo e preparatório para a instauração da ação penal. Desse juízo se deduz duas premissas: a) sua natureza jurídica é de procedimento administrativo e, b) o inquérito ainda não é processo, mas sim, pré-processo. Além disso, outras características lhe são peculiares como, a forma escrita, o sigilo, a dispensabilidade (para instauração da ação penal) e a inquisitoriedade (haja vista todos os atos investigativos serem coordenados e centralizados na figura do delegado de polícia).

O “X” da questão e, consequentemente, a resposta para se determinar se os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa são aplicáveis ou não a este procedimento, perpassa, peremptoriamente, pela necessidade de se determinar como este procedimento é visto e como ele se relaciona ao processo penal. Os processualistas mais conservadores argumentam que o contraditório e a ampla defesa são princípios constitucionais processuais e, como o inquérito (inquisitivo que é) não é processo, então não se aplicam.

Doutro lado, numa visão constitucional de processo penal (garantista), se argumenta que tanto no inquérito quanto no processo penal, tais princípios incidem por força da efetividade prática do princípio da isonomia ou igualdade substancial (paridade de armas no processo) e por determinação expressa do Art. 5º, inciso LV, da CF, uma vez que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (grifo nosso).

Perceba-se que os princípios supracitados expressamente no texto constitucional são aplicáveis sim também ao processo administrativo e, ainda que não o fosse, também se abriria outra possibilidade, pois a constituição também fala expressamente “aos acusados em geral”. Logo, diante de uma visão constitucional de processo penal, no sistema acusatório (compatível com o nosso ordenamento jurídico) há que se dar aplicabilidade prática de tais princípios no inquérito policial. Todavia, como afirmado no início desta exposição, na prática forense diária, o entendimento é o da inaplicabilidade principiológica, fruto de uma herança inquisitorial que ainda permeia o dia a dia das delegacias brasileiras, infelizmente.

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